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Este microbook é uma resenha crítica da obra:
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ISBN: 8531601592, 978-8531601590
Editora: Cultrix
Uma das mais importantes explorações do homem, ou a maior delas, é a exploração de si mesmo, do seu próprio mundo intrapsíquico. Aprender a se interiorizar; a criar raízes mais profundas dentro de si mesmo; a explorar a história intrapsíquica arquivada na memória; a questionar os paradigmas socioculturais; a trabalhar com maturidade as dores, perdas e frustrações psicossociais; aprender a desenvolver consciência crítica, a conhecer os processos básicos que constroem os pensamentos e que constituem a consciência existencial são direitos fundamentais do homem. Porém, frequentemente, esses direitos são exercidos com superficialidade na trajetória da vida humana. Um dos principais motivos do aborto desses direitos é que o homem moderno tem vivido uma dramática crise de interiorização. O ser humano, como complexo ser pensante, é um exímio explorador. Ele explora, ainda que sem a consciência exploratória, até mesmo o meio ambiente intrauterino, através dos malabarismos fetais e da deglutição do líquido amniótico. E, ao nascer, em toda a sua trajetória existencial, explora o mundo que o envolve, o rico pool de estímulos sensoriais e interpreta-os.
A tendência intelectual natural do Homo sapiens, desde a aurora da vida fetal até o seu último suspiro existencial, é seguir uma trajetória de construção intelectual superficial. Uma trajetória socioeducacional em que ele pouco se interioriza, pouco procura por si mesmo e pouco conhece a si mesmo. Procurar a si mesmo é explorar e produzir conhecimento sobre os processos de construção da inteligência, ou seja, sobre os processos de construção dos pensamentos, sua natureza, cadeias psicodinâmicas, limites, alcance, lógica, práxis, bem como sobre a formação da consciência existencial, da história intrapsíquica arquivada na memória, as bases que sustentam o processo de interpretação e as variáveis que participam do processo de transformação da energia emocional. Quem sai do discurso intelectual superficial e procura “velejar” para dentro de si mesmo, e vive a aventura ímpar de explorar sua própria mente, nunca mais será o mesmo, ainda que fique perturbado num emaranhado de dúvidas sobre o seu próprio ser. Aliás, ao contrário do que dizem os livros de autoajuda, a dúvida é o primeiro degrau da sabedoria.
Aqui, o termo “mente” é usado como o ambiente onde se processa as faculdades intelectuais, onde se desenvolve a inteligência. A mente humana possui, nestes textos, alguns termos equivalentes: a psique, a alma ou campo de energia psíquica. A inteligência é um conjunto de estruturas psicodinâmicas derivadas do amplo funcionamento da mente. É a capacidade de pensar, se emocionar, ter consciência. Ela é constituída de quatro grandes processos, tais como construção de pensamentos, transformação da energia emocional, formação da consciência existencial e formação da história existencial arquivada na memória. Aqui, há certa relação entre os termos inteligência e personalidade, já que seus processos de construção da primeira estão em atividade o tempo todo. Eles não param de evoluir, mas sua evolução tende a diminuir na vida adulta.
Até um mendigo é uma pessoa complexa, rica intelectualmente e interessante de ser observada e analisada. Muitos deles, quando se aproximam uns dos outros, logo estabelecem uma relação interpessoal e trocam diálogos, pois não têm preconceitos socioculturais, não precisam ostentar status ou provar qualquer coisa para estabelecer confiabilidade. A mercadoria de troca interpessoal entre os mendigos é o que eles são e não o que eles têm, diferentemente de grande parte das relações nas sociedades modernas. Até entre as pessoas que vivem em condições miseráveis e que são totalmente desprotegidas socialmente é possível apreciar o espetáculo da construção de pensamentos e contemplar lições existenciais. Uma pessoa psicótica também possui um admirável funcionamento da mente, ainda que desorganizado. Na esquizofrenia, o “eu” perde o controle da leitura da memória e da utilização dos parâmetros psicossociais na construtividade das cadeias dos pensamentos, o que gera a produção de delírios e alucinações. Apesar disso, as pessoas portadoras de psicoses são seres humanos altamente complexos e que deveriam ser valorizadas, ajudadas e acolhidas.
A maioria dos seres humanos elogia as maravilhas da tecnologia, mas não conseguem se encantar com o espetáculo da construção de pensamentos que corre na psique humana. Não conseguem compreender que a consciência existencial expressa, por exemplo, pela consciência da solidão e das dores emocionais, os termos mais sofisticados do que milhões de computadores interligados. Os computadores jamais passarão de escravos de estímulos programados, ainda que incorporem um processo de autoaprendizagem e levem em consideração a “lógica paraconsistente”, ou seja, que admitam contradições das informações. É cientificamente ingênuo dizer que os computadores produzem uma realidade virtual, pois eles não têm consciência existencial de si mesmos, eles não existem para si mesmos e, portanto, não têm consciência da organização das informações que expressam nas telas de vídeo.
As ideias, como um “conjunto organizado de pensamentos”, servem para definir, conceituar e caracterizar os fenômenos que observamos. Por sua vez, o discurso teórico, como um “conjunto organizado de ideias”, serve como instrumento intelectual para teorizar, discorrer, descrever um conhecimento mais complexo e abrangente desses fenômenos, bem como das micro e macrorrelações que eles mantêm com outros fenômenos. As ideias, expressas por conceitos, hipóteses e postulados, são os tijolos de uma teoria. Uma teoria se expressa por meio de um discurso, que chamo de discurso teórico. As ideias e os discursos teóricos são instrumentos fundamentais da ciência. Aliados de ideias podemos desenvolver relações interpessoais, nos comunicar, desenvolver atividades de trabalho. Por sua vez, por meio dos discursos teóricos, ou seja, pela manipulação de uma teoria, podemos produzir conhecimento, construir argumentações científicas, organizar postulados, derivar hipóteses, predizer fenômenos. Porém, apesar de as ideias e discursos teóricos definirem, conceituarem e descreverem os estímulos psíquicos, sociais, biológicos, físicos, químicos, enfim, todos os fenômenos e objetos de estudo etc., elas são e serão sempre devedoras de suas realidades essenciais. Temos duas grandes limitações científicas que poucos cientistas desconhecem. Primeira, o conhecimento sobre os transtornos depressivos, por mais avançado que seja, terá sempre uma dívida com os mistérios que envolvem essas doenças e que ainda não foram descobertos. Segundo, o conhecimento, mesmo se a civilização humana vivesse milhões de anos, terá sempre uma dívida com a realidade intrínseca da energia contida nos transtornos depressivos ou de qualquer outro fenômeno estudado pela ciência.
Estes procedimentos não são utilizados, em sua maioria, na pesquisa acadêmica, mesmo nas teses de doutorado. Os grandes teóricos da psicologia também não os utilizaram na produção de suas teorias, o que gerou um grande prejuízo para esta ciência. Os procedimentos utilizados na pesquisa acadêmica normalmente são bem conhecidos no mundo todo, tais como: seletividade de dados, análise de dados, levantamento bibliográfico, uso de uma teoria como suporte da interpretação. Os sete procedimentos utilizados por Cury são: a arte da formulação de perguntas; a arte da dúvida; a arte da crítica; a busca do caos intelectual para se processar a descontaminação da interpretação; a busca do caos intelectual para expandir as possibilidades de construção do conhecimento; a análise das causalidades históricas e das circunstancialidades biopsicossociais; e a análise dos processos de construção das variáveis de interpretação na mente. As cinco “mesclagens de contrapontos intelectuais” (MCI) utilizadas foram: 1. Mesclagem entre a liberdade contemplativa de observar os fenômenos com a disciplina empírica no processo de observação e seleção dos mesmos. 2. Mesclagem entre a liberdade de interpretar os fenômenos com a reorganização e reorientação contínua do processo de interpretação. 3. Mesclagem entre a utilização do caos intelectual para esvaziar, tanto quanto possível, as distorções preconceituosas e os referenciais históricos contidos no processo de formação da personalidade com a utilização desse caos para expandir as possibilidades de compreensão dos fenômenos e de construção do conhecimento. 4. Mesclagem entre a liberdade da produção do conhecimento com a reciclagem crítica e contínua da mesma. 5. Mesclagem entre a análise das variáveis da interpretação (fenômenos) com a análise dos sistemas de cointerferências que elas organizam para gerar o funcionamento da mente e a construção das cadeias de pensamentos.
A arte de perguntar é mais importante do que a arte de responder. Aliás, a maneira como se pergunta pode produzir um autoritarismo das ideias, pois estabelece as diretrizes das respostas. Antes da busca das respostas, antes da produção de conhecimento, é necessário fazer não apenas algumas perguntas, mas múltiplas perguntas sobre os fenômenos que estamos observando e interpretando. Devemos ainda não apenas formular perguntas multifocais sobre os fenômenos e suas micro e macrorrelações, mas perguntas sobre as próprias perguntas, suas dimensões, seus limites e alcance.
A busca do caos intelectual no processo de observação e interpretação dos fenômenos psíquicos abre algumas janelas psicossociais e filosóficas para expandirmos as possibilidades de compreensão sobre as origens, limites, alcance, práxis, natureza dos pensamentos e da consciência existencial. É mais fácil desenvolver o autoritarismo do que a democracia das ideias, do que redirecionar o processo de observação, interpretação e produção de conhecimentos por meio do exercício da “consciência crítica do eu”. Os “antídotos” intelectuais contra o autoritarismo nas relações humanas são multifocais: a) compreender que a democracia das ideias é uma inevitabilidade; b) respeitar o ser humano na sua integralidade; c) considerá-lo capaz de pensar e escolher seus próprios caminhos; d) estimular a revolução das ideias que ocorre na sua mente e procurar contribuir para que ela seja redirecionada para desenvolver a revolução do humanismo, da cidadania e da capacidade crítica de pensar.
A antiessencialidade da consciência existencial, o sistema de encadeamento distorcido da construção de pensamentos e a infinidade dos fenômenos microessenciais revelam que a ciência é invariavelmente inesgotável. Por isso, todo conhecimento, toda teoria científica, toda verdade científica, produzida em livros, gravada em disquetes, debatida nas universidades, aplicada nos laboratórios e nas empresas é intensamente restritiva em relação à inesgotabilidade da própria ciência.
Homo interpres é o homem inconsciente, representado pelos territórios da memória e pelo conjunto de fenômenos inconscientes que produzem o funcionamento da mente humana, dos quais destaco o fenômeno RAM, da psicoadaptação, da autochecagem, da âncora da memória, do autofluxo. Eles são responsáveis pelo registro das informações na memória, pela leitura da mesma e pela construção das cadeias de pensamentos e das reações emocionais. Homo intelligens é o homem consciente, representado pelo eu, o grande fenômeno consciente da inteligência. Por meio do eu, temos a consciência existencial, ou seja, a consciência de que existimos e de que há um mundo que existe e pulsa ao nosso redor. Além disso, temos a consciência de que pensamos e nos emocionamos e podemos administrar os pensamentos e as emoções. O Homo intelligens é resultado do Homo interpres, pois todos os fenômenos que produzem a nossa consciência são inconscientes. Para confirmar esse fato, basta citar que não sabemos como penetramos nos labirintos da memória e resgatamos as informações que constituem os pensamentos conscientes. O eu faz leitura da memória e constrói cadeias de pensamentos, porém, ao contrário daquilo em que até hoje a psicologia acreditou, a maioria dos pensamentos que diariamente produzimos não é produzido debaixo do controle consciente do eu, mas pelos complexos fenômenos que estão imersos no campo de energia inconsciente da alma humana.
O senso comum confunde erroneamente memória com inteligência. Para ele, quem tem melhor memória ou melhor capacidade de lembrança é mais inteligente. Esse conceito é desprovido de fundamento, pois estudaremos que, ao contrário do que milhões de educadores pensam, não existe lembrança. Não há lembrança das informações contidas na memória, mas reconstrução das mesmas. Esse fato rompe com um dos mais sólidos paradigmas que sustentam a educação clássica. Os professores enfileiram os alunos durante toda a vida escolar para lhes transmitir informações, tendo a falsa crença de que a memória é um depósito delas. Todavia, a memória simplesmente não tem essa função.
Existem dois tipos de memória. A memória existencial (ME) e a memória de uso contínuo (MUC). Essas duas memórias formam a totalidade da história intrapsíquica de um ser humano, contendo, portanto, todos os segredos de sua vida. A memória existencial representa as experiências que vão sendo registradas ao longo da vida e a memória de uso contínuo representa as informações que vão sendo usadas e rearquivadas continuamente, tais como os endereços das residências e dos e-mails, os números telefônicos, as fórmulas matemáticas, as palavras que compõe uma língua. Por que conseguimos nos “lembrar” de maneira mais exata de determinadas informações? Porque elas são usadas continuamente e, consequentemente, são novamente arquivadas, ficando mais disponíveis para serem lidas. Se deixarmos de usar determinadas informações, elas vão sendo substituídas e arquivadas na memória em zonas de acesso mais difícil.
Os processos de construção da inteligência desencadeados pela leitura da história intrapsíquica, principalmente pela memória existencial, são tão complexos que, ao estudá-los, compreendemos que não existe a “recordação” ou “lembrança” original das experiências do passado, mas uma interpretação em que reconstruímos essas experiências no palco de nossas mentes.
Os pensamentos dialéticos são conscientes, lógicos bem organizados em cadeias psicodinâmicas, bem definidos psicolinguisticamente, gerenciados com facilidade pelo eu e, por isso, são utilizados com frequência na análise, na síntese das ideias, nos discursos teóricos, na produção científica, na produção tecnológica, nas relações sociais. Os pensamentos dialéticos são expressos com facilidade na comunicação social e interpessoal, pois são facilmente codificados pelo sistema nervoso central e pelo aparelho fonador; por isso são chamados aqui de “pensamentos dialéticos”. Os pensamentos dialéticos, no entanto, têm dimensões muito maiores do que a expressa pela comunicação social e interpessoal por meio da verbalização. Por isso, frequentemente, temos a sensação de que as palavras não conseguem expressar o conteúdo dos nossos pensamentos, das nossas ideias. A dimensão das ideias é maior do que a dimensão das palavras.
Um dos mais complexos paradoxos intelectuais é expresso pelo gerenciamento do “eu” sobre a construção de pensamentos. O “eu”, embora ocorra nos palcos conscientes da inteligência, vive um paradoxo intelectual indescritível, pois organiza “inconscientemente” a construção de pensamentos, a racionalidade humana; ele lê a memória, organiza as RPSs e produz as cadeias de pensamentos conscientes. A construtividade do mundo das ideias, que promove toda racionalidade dialética, toda ciência, toda produção de arte, toda comunicação social, enfim, toda “consciência existencial do eu” sobre o mundo que somos e em que estamos, é produzida por processos inconscientes que são operacionalizados nos bastidores da psique.
O homem, em detrimento de possuir uma inteligência complexa, expressa pela construção de pensamentos, gerenciada ou não pelo eu, historicamente pouco se interiorizou e se interessou em procurar conhecer os processos e fenômenos que estão envolvidos na construção dos pensamentos, em procurar conhecer os elementos mais íntimos que nos constituem como seres pensantes. É mais confortável se postular como um semideus do que ser alguém que se investiga, que se indaga, que duvida de si mesmo, que questiona a validade, os limites e o alcance das suas ideias. Toda macro ou microditadura nasce da aversão à arte da formulação de perguntas, à arte da dúvida, à arte da crítica.
É difícil realizar a conquista psicossocial das funções mais nobres da inteligência. O gerenciamento do eu sobre os processos de construção dos pensamentos é difícil de ser conquistado, pois construir pensamentos não é apenas um atributo do eu, mas, pelo menos, de três outros fenômenos intrapsíquicos. Por isso o homem tem uma produção intelectual extremamente complexa, o que gera alguns entraves importantíssimos no gerenciamento do eu sobre a racionalidade humana.
Não deveríamos considerar a rica construção de pensamentos produzidos pelos mordomos da psique humana como um problema; pelo contrário, ela é de fundamental importância. Sem essa rica e inevitável construção de pensamentos, a vida humana se tornaria um tédio insuportável, uma solidão indescritível, pois ela é a mais importante fonte de entretenimento humano. Além disso, sem a rica construção de pensamentos produzida pelos mordomos da mente, a história intrapsíquica e o eu não se desenvolveriam.
O fenômeno da autochecagem é o fenômeno que lê automaticamente a memória. É o primeiro fenômeno que atua na inteligência. Diante de um estímulo qualquer, seja um pensamento ou um estímulo físico, ele é acionado e em milésimos de segundos lê a memória, assimila seu conteúdo e, consequentemente, produz as primeiras reações no cerne da inteligência. Como temos contato com centena de milhares de estímulos por dia, o fenômeno da autochecagem é acionado também centena de milhares de vezes.
Todo ser humano vive continuamente, nos bastidores da sua mente, uma ansiedade vital. Ninguém pode se livrar da ansiedade vital. A ansiedade vital é diferente da ansiedade patológica, da tensão emocional doentia, que normalmente é angustiante e, frequentemente, é acompanhada de sintomas psicossomáticos. A ansiedade vital é fundamental no processo de leitura da história intrapsíquica e de construção da inteligência. A ansiedade vital anima e provoca psicodinamicamente os processos de construção dos pensamentos, da consciência existencial e as transformações da energia emocional e motivacional.
A âncora da memória é um fenômeno intrapsíquico inconsciente que desloca e é deslocada psicodinamicamente pelos três outros fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica: fenômeno da autochecagem da memória, fenômeno do autofluxo e o eu. Nem toda memória está disponível para ser lida. A âncora da memória é difícil de ser definida, mas em síntese ela se refere a um foco ou “território” de leitura da memória num determinado momento da existência. A âncora da memória fornece um grupo de informações psicossociais que ficam disponíveis para serem utilizados pelos fenômenos que lêem a memória e constroem pensamentos.
Podemos ficar chocados ao constatar, diante dessa exposição, que a liberdade de pensamento tão sonhada na história humana, tão almejada na Filosofia, tão procurada pelos direitos humanos, não é tão fácil de ser alcançada, mesmo em condições sociais adequadas. A liberdade plena de pensamento nem sempre é conquistada pelo eu, mas dirigida inconscientemente pelos deslocamentos da âncora da memória, que restringe o território de leitura da memória. Quando produzimos pensamentos, nós nem sempre temos uma livre escolha das informações, nem sempre temos a livre escolha das ideias, devido à restrição da “disponibilidade histórica” imposta pela âncora da memória. Grande parte dos pensamentos gerenciada e produzida pelo eu não foi, na realidade, gerenciada e produzida com plena liberdade de escolha, mas dentro dos limites da âncora da memória. Por isso, é necessário aprender a conquistar na ciência, bem como na vida cotidiana, o máximo de liberdade possível no processo de construção de pensamentos.
O eu é o fenômeno que expressa a vontade consciente do homem. Sem esta, o homem é um ser que vaga irracionalmente como os demais seres da natureza. Se fôssemos capazes de destruir o eu, estaríamos encerrados na mais terrível solidão, existiríamos sem ter consciência de que existimos. As psicoses esquizofrênicas comprometem a estrutura e a lógica do eu, por isso elas são graves. Todavia, quando ajudamos os pacientes em surto psicótico a desacelerar seus pensamentos, eles organizam o processo de leitura da memória, constroem pensamentos dentro dos parâmetros da realidade e rompem com seus delírios e alucinações. Desacelerar o fluxo dos pensamentos e alargar os territórios de leitura da memória é fundamental para que o eu possa administrar a produção dos pensamentos com lógica.
Por que o eu tem tanta dificuldade em gerenciar o campo de energia psíquica? Esse assunto nunca foi estudado na psicologia, embora ele seja o centro da própria psicologia e da ação de todos os psicólogos. Por que tratar de um paciente deprimido, com síndrome do pânico ou transtorno obsessivo, é um processo lento e complicado? Se o mundo das ideias e das emoções é tão criativo, por que temos dificuldade em subjugá-lo? Os cirurgiões fazem um “milagre no corpo”. Em horas, são capazes de extrair um tumor ou uma úlcera, mas os terapeutas demoram semanas, meses ou, às vezes, anos, para levar um paciente à resolução de uma doença psíquica. Há muitas causas que explicam os entraves do gerenciamento do funcionamento da mente, e uma delas é que a produção de pensamentos é multifocal, ou seja, produzida por múltiplos fenômenos. Todavia, a principal causa é que o instrumento usado pelo eu para intervir no mundo psíquico é virtual: trata-se do pensamento dialético.
A TMC, teoria mulficoal do conhecimento, é uma teoria que constitui-se de um conjunto de teorias que se inter-relacionam: a teoria da construção dos pensamentos; a teoria da interpretação; a teoria crítica do conhecimento (lógica); a teoria da transformação da energia psíquica; a teoria da formação e utilização da história intrapsíquica arquivada na memória; a teoria da formação da personalidade; a teoria da construção das relações interpessoais, etc. Assim, a abordagem da inteligência, expressa neste livro, é apenas parte da teoria multifocal do conhecimento. Esta teoria não procura anular as demais teorias. Pelo contrário, como ela investiga a inteligência a partir dos fenômenos e variáveis universais que estão na base da produção dos pensamentos, pode contribuir para explicá-las, revisá-las e abrir novas avenidas de pesquisa para elas. A teoria multifocal do conhecimento pode contribuir muito com a teoria psicanalítica, junguiana, cognitiva e outras.
Existe um termo, que chamo de “cidadania da ciência”, que reflete a preocupação que todo pensador ou cientista deveria ter em relação à sua produção de conhecimentos, que é a de procurar socializá-la, humanizá-la. “Cidadania da ciência” é, portanto, a humanização da teoria que se expressa por meio de procurar torná-la assimilável, aplicável e, portanto, psicossocialmente útil.
Todas as teorias, ideologias sociopolíticas, produções artísticas, poesias, discursos literários, diálogos interpessoais etc., são “peças intelectuais” construídas nos bastidores inconscientes da inteligência e expressas na “crosta” ou “palcos conscientes da mesma”.
Temos consciência da produção intelectual que geramos, mas não temos consciência dos processos que geram essa produção intelectual nos bastidores inconscientes. Portanto, há um mundo a ser descoberto no âmago intrapsíquico de cada ser humano, um mundo que possui fenômenos tão complexos e sofisticados que são capazes de organizar as ideias, produzir as análises, confeccionar os paradigmas socioculturais, formatar os discursos teóricos das ciências, produzir os pensamentos antecipatórios, resgatar as experiências passadas, construir a consciência existencial do mundo que somos e em que estamos, transformar a energia emocional e motivacional etc. Um mundo contido nos “bastidores inconscientes da mente, psique ou alma humana”.
A produção de cadeias de pensamentos, o registro dessas cadeias, a leitura e a utilização desse registro na construção de novas cadeias de pensamentos resultam na promoção do fluxo contínuo de ideias e na formação da inteligência. Por meio da inteligência, o homem sai da condição de animal não-pensante para ser um misterioso ser que pensa e tem consciência disso. É possível extrair dos processos que constroem a inteligência múltiplas consequências psicológicas, filosóficas, sociológicas, educacionais etc. Conhecer e expandir o mundo das ideias sobre o universo intrapsíquico é viver uma poesia intelectual. Quando compreendemos onde nasce a inteligência, expandimos o mundo das ideias. É um fato que o mundo das ideias se expande quando estudamos com crítica, desafio e aventura as ciências naturais; porém, ele se expande muito mais e forma pensadores quando nos interiorizamos e estudamos as origens do próprio mundo das ideias, a construção da própria inteligência. O conhecimento na educação unifocal é transmitido de modo acabado, pronto e sem aventuras, como se tivesse sido produzido por um milagre da mente. A melhor maneira de estancar o debate de ideias e matar a criatividade intelectual é transmitir o conhecimento de maneira “fria”, pronta e acabada, como se fosse uma verdade sem história, uma verdade inquestionável. Qualquer área das ciências tem identidade e “rosto intelectual”, mesmo na literatura encontramos a história rica dos poetas, dos escritores.
A união da Psicologia e da Filosofia no mesmo corpo teórico me abriu os horizontes do conhecimento sobre a psique humana. Por isso, escrevi diversos textos sobre as consequências psicossociais derivadas da produção de conhecimento sobre os processos de construção dos pensamentos. Essas consequências não ocorrem apenas na Psicologia e na Filosofia, mas também na Sociologia, no Direito, na Educação, na Sociopolítica. Os textos relativos a essas consequências são extensos e, talvez, sejam reorganizados em outras publicações. Aqui, farei apenas uma síntese deles, lembrando que alguns já foram comentados sucintamente ao longo deste livro. O objetivo principal dessa síntese é o exercício da cidadania da ciência, ou seja, procurar humanizar a teoria, torná-la acessível e aplicável.
Alguém é capaz de explicar a mente humana? Em várias obras, o conhecidíssimo psiquiatra e escritor Augusto Cury se debruçou sobre o tema, visando a explicar melhor ao leitor comum sobre o funcionamento dessa engenhoca tão complexa na cabeça de cada um de nós. Em Inteligência Multifocal, ele prova que nosso intelecto não é um sistema binário ou simples, como muitas vezes os especialistas da área dão a entender. É algo muito mais amplo do que isso. A leitura de suas pesquisas sobre a inteligência multifocal são capazes de abrir a mente de qualquer um.
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Augusto Jorge Cury é médico psiquiatra, professor e escritor brasileiro. É o autor da Teoria da Inteligência Multifocal e seus livros foram publicados em mais de 70 países, já tendo vendido mais de 25 milhões de livros somente no Brasil. Nasceu em Colina, São Paulo. Formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e concluiu seu doutorado em Administração de Empresas pela Florida Christian University no ano de 2013 com à tese: "Programa Freemind como ferramenta global para prevenção de transtornos". Na sua carreira dedicou-se à pesquisa sobre as dinâmicas da emoção. É pós-graduado no Centre Medical Marmottan, em Paris, e na PUC de São Paulo. Ele é... (Leia mais)
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